Muitos sons me incomodam. O incessante mau gosto por funk das pessoas mal educadas que nos obrigam partilhar dessa falta de poesia tem me irritado bastante. O nhenc nhenc de uma porta, o celular tocando perdido em algum compartimento da bolsa, a voz de arrastada de má vontade de um burocrata insistindo que a falta de uma copia do documento mais inútil não lhe permitirá a inscrição em algo que poderia mudar de alguma forma um bocadinho da vida. Também me aborrece a sirene da policia que brinca de “faz de conta que você acredita que a gente trabalha” ou a urgência da sirene de ambulância que me causa aquela ínfima e instantânea curiosidade de saber quem está ali e o por que. Sirene de corpo de bombeiros indo em direção ao meu endereço quando eu ainda não estou em casa me deixa na aflição de imaginar que esqueci as torradas no forno hoje de manha.
Mas, hoje conclui que o som que me deixa completamente desconfortável é o badalar do sino de cemitério. Aquela onda sonora alcança terrivelmente um lado do nosso ouvido ecoando no resto do corpo que, exatamente por você estar ali, hoje você é ¼ do que era antes de saber que quem você ama morreu neste dia e o sino que soa anuncia impreterivelmente o inesgotável ciclo natural das formas orgânicas.
Dizem que passa e a gente tende a acreditar nisso. Ao que me parece não passa, mas o cotidiano, com seus funks, buzinas, sirenes urbanas, banalidades na televisão, gritos de comerciantes, choros de nascimentos... fazem você se distrair e pensar um pouco menos naquela que agora volta ser semente pra terra, presença na lembrança e vazio sucessão dos dias.
(Minha tia Maria Ângela, a forma mais próxima de amor maternal na minha experiência de vida, nos deixou ontem. Hoje eu chorei uma morte de mãe que nunca mais se repetirá)
foto: minha mão enquanto dormia, registrada por Welber Santos